martes, 8 de febrero de 2011

Legionário, N.º 591, 5 de dezembro de 1943

A QUESTÃO LIBANESA

Não é minha intenção emitir um juízo sobre os recentes acontecimentos ocorridos no Oriente Próximo. O problema dos direitos que o Líbano tem a sua inteira liberdade, ou dos direitos que a França possa ter para não dar liberdade ao Líbano, são de caráter meramente temporal. Por outro lado, para se emitir sobre eles algum juízo fundado, seria preciso um estudo acurado de tratados, antecedentes históricos, questões econômicas, étnicas e sociais de tal maneira complexas que, evidentemente, um jornal estritamente religioso como o “Legionário” sairia de sua alçada se opinasse sobre o caso.
Entretanto o “Legionário”, como órgão genuinamente católico, não pode deixar de ponderar algumas repercussões indiretas que o desenrolar dos acontecimentos teve. São aspectos a serem considerados em conjunto dos demais, para a inteira objetividade do panorama que a opinião pública tem sob os olhos. (...)
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Nossos olhos se voltam com natural simpatia para a Síria, nação nobilíssima e de grandes tradições históricas, que têm o mérito relevante de ser genuinamente cristã, contando entre seus filhos elevado número de católicos, apostólicos, romanos. Vizinha dos lugares sagrados, a Síria é bem uma sentinela vigilante da Cristandade no Oriente. A este título, sua independência em relação a judeus e muçulmanos é um patrimônio mundial. O mundo inteiro está empenhado em que uma Síria livre, poderosa, digna, continue tanto quanto os numerosos libaneses que são nossos irmãos na Fé, a montar guarda às portas dos lugares que o Salvador santificou nos dias de Sua vida terrena, com Sua doutrina, ação pessoal e direta.
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(...) São por demais notórios, por demais gloriosos os títulos sobre que se funda o padroado francês dos interesses cristãos no Oriente próximo. Não precisamos de os mencionar. Entretanto, a simples justaposição destes dois fatos: é preciso defender a Síria e as comunidades católicas levantinas, e é preciso que essa defensora seja a França, isto simplesmente basta para que se compreenda como lamentamos que a cooperação franco-libanesa tenha passado por um tão sério colapso.
Não ignoramos - já o dissemos - que o problema é temporal em muitos de seus dados essenciais. Mas o fato é que, de algum particularismo, de algum egoísmo, de alguma precipitação de qualquer das duas partes, pode resultar de um momento para outro alguma nova crise tão grave para os interesses cristãos no Oriente Próximo, que se compreende sem dificuldade que formemos votos ardentes para que a solução do problema se faça sem qualquer prejuízo para uma cooperação que tão essencialmente interessa a toda Cristandade.
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Neste sentido, achamos verdadeiramente curiosa a atitude do Egito. O Rei do Egito e o do Iraque, estimulados por ardilosa campanha nazista, empreenderam de há muito a formação de um grande bloco muçulmano em todo o Oriente. O casamento do soberano egípcio com uma princesa iraquiana veio consolidar essa política, ligando as duas grandes dinastias maometanas. O III Reich conferiu mais especialmente a Mussolini a tarefa de articular a rebelião muçulmana contra o Ocidente. Nossos leitores ainda se lembram do vigor com que denunciamos o fato quando os muçulmanos da África do Norte conferiram a Mussolini - o signatário do Tratado de Latrão! - a espada de "defensor do Islão". O fato é que se acordou um leão que dormia. Nos dias de hoje, com homens, armas e dinheiro, tudo se faz. Dinheiro e homens, o mundo muçulmano os possui à vontade. Adquirir armas, não será difícil, sobretudo quando muito dos atuais beligerantes, nas aperturas da paz, começam a vender o que super-produziram durante a guerra. E, com isto, ficará uma potência imensa em todo Oriente, ativa, aguerrida, cônscia de suas tradições, inimiga do Ocidente, tão armado quanto ele, que dentro de algum tempo poderá ser absolutamente tão influente quanto o mundo amarelo, e colocado em situação geográfica econômica incomparavelmente melhor!
Neste momento precisamente, o Rei do Egito, alegando ser protetor do Islão, e pretextando a existência de numerosos muçulmanos entre os libaneses, toma a dianteira, estimula por todos os modos a luta entre a França e seus protetorados do Oriente Próximo.
A estranheza da atitude egípcia é tanto mais de se notar, quanto o incidente franco-libanês não é de modo algum um "caso" maometano. Os cristãos são a maioria no Líbano, onde, pois, o Egito nada tem que ver como protetor de Mafoma.
Que significa esse gesto? O desejo de libertar os muçulmanos postos sob protetorado francês? E no dia em que se sacudir tal protetorado, o que farão os muçulmanos, protegidos pelo Egito, contra os sírios e libaneses cristãos?
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A situação é complexa, delicada, espinhosa. Mas é preciso que, no torvelinho dos problemas temporais agitados ali, não se perca de vista esta série de repercussões espirituais. Essas são essenciais, porque correspondem ao "único necessário" de que nos fala o Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

lunes, 7 de febrero de 2011

Legionário, N.o 574, 8 de agosto de 1943

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

NEO-PAGANISMO

A Ação Católica e as missões foram, indiscutivelmente, as duas grandes preocupações do pontificado de Pio XI. A respeito destes dois temas de tão grande importância para os católicos do mundo inteiro, o “Legionário” tem hoje mais uma palavra que dizer. Alvissareira quanto à Ação Católica – comentamos o assunto na seção 7 Dias em Revista – ela é de apreensão para as missões. Não somos festeiros, e, por isto, daremos sempre aos assuntos que inspiram cuidado maior lugar do que aos que causam júbilo. A Igreja é militante: por isto a redação dos bonitos boletins de vitória deve causar aos católicos muito menos preocupação do que a análise dos movimentos e manobras do inimigo. Em matéria de boletins de vitória, contentar-nos-emos com o do dia do Juízo Final. Por ora, tratemos mais de vencer do que de comentar as vitórias obtidas. E, por isto, consagramos nosso artigo de fundo, não a um belo triunfo da Ação Católica, mas a uma nova investida do neo-paganismo contemporâneo contra as missões.
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Já temos acentuado em vários artigos que a gentilidade pagã que vive fora da luz do Evangelho e da civilização católica, no Oriente e sobretudo no Extremo-Oriente, está cada vez mais pronunciadamente mudando de atitude perante os povos ocidentais de civilização cristã. Há vinte anos atrás, os cultos pagãos do Oriente pareciam afetados por uma irremediável ancianidade. Viviam, apenas da tradição, ou melhor da rotina. A ignorância popular mantinha em torno deles vastas massas de fiéis. Mas todos os dias a intelectualidade mais se distanciava de tais cultos, e a própria atitude das massas fazia prenunciar com toda a clareza o dia em que, elas também, se destacariam de seus velhos ídolos para abraçar definitivamente a Cruz do Redentor. Os cultos pagãos eram envergonhados. Os que os professavam sentiam aquela vaga confusão que experimentam os adolescentes surpreendidos quando ainda brincam às escondidas com seus soldadinhos de chumbo. Eles mesmos sentem declinar dentro de si o atrativo de tais folguedos. Sabem que a idade destas coisas já passou. É para atender apenas a inclinações bruxuleantes de um estado de coisas que já passou que às vezes brincam um pouco. Com isto, sabem que voltam para um passado morto. Eles mesmos sabem que amanhã nada mais disto restará em seus corações. É assim que há vinte anos atrás o Oriente tratava seus velhos ídolos. Pode-se imaginar com que facilidade este estado de coisas favorecia a expansão missionária. Hoje, este estado de espírito passou. E as missões estão contando com dificuldades crescentes.
Com efeito, o vento gélido de nacionalismo pagão que soprou sobre a Europa totalitária estendeu-se até o Oriente. Se a adoração do solstício, ou de velhos deuses germânicos de eras passadas podia reviver na Alemanha, por que se envergonhariam os japoneses, os chineses, os hindus, os árabes, de suas antigas crenças? Daí uma revivescência do paganismo em todo o Oriente, um paganismo insolente, agressivo, xenófobo e com ares racistas, que determinou para as missões na Índia, na China e no Japão insuperáveis dificuldades, de que em artigos anteriores já temos falado. [...] A desunião do Islã foi uma das grandes causas de sua decadência. A reunião dos Estados Árabes será evidentemente a constituição de um outro vasto bloco político e ideológico oriental anti-católico, que cobrirá desde Tânger até as Índias uma enorme faixa de terra, novamente agrupada em torno do Islã. Neste sentido, uma notícia da Reuters chega a informar que “a futura Federação dos Estados Árabes no Oriente Próximo constitui matéria de entendimentos privados em Alexandria entre o ministro egípcio Nahas Pachá e o general Nusisaid, do Iraque. Diz-se que, se as conversações tiverem êxito, uma conferência árabe poderá realizar-se no Cairo no próximo inverno. Os países que podem eventualmente participar da federação são o Egito, a Síria, Iraque, Líbano, Transjordânia e Arábia”. Evidentemente, por prudência, não se mencionam as imensas populações muçulmanas da Índia, que, entretanto, tenderão para esta confederação. É este mais um bloco poderoso que se cria, impermeável, ou quase tal, à penetração católica no Oriente.
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No momento em que tantos problemas assediam o Santo Padre, é certo que sua vigilância pastoral não perderá de vista mais este grave perigo. Nossa obrigação não consiste em desanimar, mas em lutar e rezar. Lutar com o Papa e rezar pelo Papa. Neste mês do Coração Imaculado de Maria, que é o modelo perfeito de todos os corações católicos, e o canal de todas as nossas preces, supliquemos ardentemente à Mãe do Céu que tenha pena da humanidade, e, para a glória e exaltação da Santa Igreja, assista continuamente o Sumo Pontífice, auxiliando-o a vencer as dificuldades tão críticas e tão numerosas que a cada momento toldam seus horizontes.